Está em qualquer projeto político-pedagógico. Faz parte de qualquer
teoria minimamente interessante sobre educação. É um consenso universal e parte
dos direitos da criança: ela deve ser o centro nos processos educacionais. Mas
o que se constata é exatamente o contrário: as crianças vivem nas periferias do
processo. Elas são apenas necessárias,
pois sem elas o sistema nem faria sentido.
O que queremos ouvir de uma instituição educacional quando matriculamos um filho é que ele será tratado em toda
sua humanidade. E é isso que as instituições nos prometem. Porém, apenas o
ciclo se inicia, ele se torna apenas um número, um registro, um histórico, uma
contabilidade, uma quantia. Na
prática o que gostaríamos de ver é que suas necessidades de aprendizagem, suas
dificuldades, seus interesses, seus ritmos, suas virtudes, seus talentos, sejam cuidadosamente observados, de maneira a receber o apoio onde é
necessário e asas onde é importante.
Porém, na prática não há tempo hábil de parte de ninguém na instituição
para realizar algo assim. Estão todos sempre muito ocupados. Em que? Na produção de todos os
processos institucionais. No preenchimento de todos os documentos, no
lançamento de todos os dados, na vigilância de todas as disposições, no
seguimento do planejamento, na cobrança de todos os regulamentos, nas
disposições financeiras.
O que passa efetivamente na alma de cada criança...não alcança a atenção
dos adultos que vivem a
instituição escolar. Não por que
eles assim o desejem. Mas porque toda a energia deles é esgotada pelas demandas
de manutenção da instituição. Se
não fosse assim, se os atores que trabalham dentro da instituição dedicassem
energia a cuidar das crianças, a instituição sucumbiria. Se desorganizaria. É por isso que as promessas ficam apenas
no projeto político-pedagógico. Na prática, toda a energia é concentrada em
viabilizar, sustentar, produzir, organizar, gestar....a instituição.
É por isso que ao propor a desescolarização como alternativa, a retirada
da criança da escola é fundamental. Uma possibilidade de colocar a criança
no centro do processo é fora das instituições, e por tanto, diante dos olhos
dos responsáveis pela sua educação, os pais. Sejam estes os biológicos ou não. Isto não significa, em nenhum caso, o estabelecimento de um regime de confinamento dos filhos em torno dos pais. E sim, que passa pela responsabilidade dos pais, em diálogo aberto com os filhos, a construção das múltiplas interações do processo educacional deles. (Em breve publicaremos um texto sobre diversas possibilidades de construção dessas interações com o imenso caudal dos produtores de conhecimento).
O importante é que a criança deve manter-se no centro das atenções
daqueles que são responsáveis por ela. E somente como fruto desse
exercício é que pode vir a
acontecer o conhecimento necessário dos seus interesses, das suas necessidades,
dos seus talentos.
Não é necessário um curso de pós-graduação para que isso aconteça. Toda mãe e pai dedicados vivem essa
experiência desde os primeiros momentos de vida da criança. É pela atenção que
a mãe consegue entender as necessidades da criança na fase pré-oral. Criança e
mãe se comunicam. Constroem conteúdos, sentidos, significados e os
compartilham. A condição para que isso aconteça é a realização concentrada
desse processo de observação da criança. Cada sorriso, cada choro, cada gemido
é significativo. Tudo isso se perde rapidamente assim que a criança é
matriculada no maternal. Em alguns
dias a mãe não consegue mais reconhecer o “linguajar “do filho(a). O que está ouvindo, vendo, cheirando,
sentindo...passa agora pelas rotinas da instituição. E a mãe desconhece essas rotinas...pode
até imaginá-las, mas nunca terá a possibilidade de compartilhá-las com a
criança pois, tais rotinas não acontecem dentro de casa.
Esse processo de estranhamento se amplia nos anos subseqüentes.
Dificilmente os pais conseguem acompanhar efetivamente as rotinas escolares que
estão moldando cotidianamente a alma da criança. Eles, verão apenas os efeitos
desse processo concretizados no documento no qual a instituição informa a
situação escolar do aluno. É
impossível para os pais conversar com o filho sobre o que ocorre na escola.
Dois modos de linguagem se instauram e a criança aprende a responder a
cada um deles como se fossem de fato separados. Um compete à linguagem institucional, outro a linguagem da vida diária. O problema está no fato de que a
linguagem institucional é fragmentária, descontinua, descontextualizada e sobre tudo, disciplinar. A criança passa a lidar com uma infinidade
de fragmentos de informação sobre a qual ela vai ser avaliada. Memorizar os
fragmentos mais importantes é tudo que conta nesse jogo. Se ela descobre isso,
será entendida como boa estudante,
se não ela será entendida como desadaptada ou como mal estudante e será
reprovada.
Um silencio típico invade as relações entre pais e filhos na escola. A
final, quase nada do que acontece entre eles, lhe será útil na escola. E quase
nada do que acontece na escola, parece útil nas relações fora dela. Os pais
terminam alienados do processo que estão vivendo seus filhos e estes começam a viver apenas para domesticar
de alguma maneira a infinidade de fragmentos de informação pelos quais suas habilidades serão
avaliadas.
A grande maioria das crianças descobre o jogo. Percebem ou se comunicam
entre eles, quais são os fragmentos de informação que serão cobrados. Estes são
vendidos, comprados, negociados, distribuídos, compartilhados entre eles. Então
se produz o efeito final: a instituição se contenta com saber que a maioria
passa nas provas. Os pais ficam felizes de receber boletins com bons resultados e as
crianças...bom...elas sabem que por enquanto vão acertando o jogo. Como efeito
colateral...vem o desinteresse absoluto por aprender qualquer coisa que
seja. A final de contas, ninguém,
até aí, absolutamente ninguém, se
preocupou com isso...o que cada criança efetivamente está aprendendo não é algo
que passe pelas rotinas e demandas da instituição...passa a não ser parte da
vida dessas crianças.
O que temos até ali: no inicio uma instituição onde um grupo de
professores de diversas disciplinas revisam uma quantidade enorme de conteúdos
e aplicam provas aos seus alunos. No final temos os mesmos professores e um
grupo de estudantes aprovados ou reprovados. Mas, é isso que deveríamos esperar do processo educacional?
Não. O que deveríamos ter
no início seria um grupo de professores ou maestros competentes em determinados
conhecimentos e um grupo de estudantes que ignoram esses conhecimentos. No
final, deveríamos ter um grupo de maestros e um grupo de estudantes compartilhando
seus conhecimentos. Deveríamos encontrar um diálogo entre jovens e adultos que compartem experiências a traves de
diversos saberes. Se no início
temos um músico e um não músico...no final deveríamos ter dois músicos. E assim
por diante com todas as disciplinas, saberes e conhecimentos.
O processo educacional deveria devolver-nos jovens que desenvolveram
suas capacidades, suas habilidades, suas virtudes, seus conhecimentos. Jovens
que aprenderam e que por isso, agora estão interessados em diversos assuntos,
temas, problemas, possibilidades. Jovens que agora projetam suas vidas sobre os
trilhos do conhecimento que incorporaram a suas vidas.
Somente então saberíamos que cada um deles foi colocado no centro do
processo educacional.
Olá Edilberto e Tatiana,
ResponderExcluirGostei do texto e também estou gostando de explorar o site. Neste texto em específico, apesar de concordar com o contexto dos malefícios da institucionalização, não consigo entender o ponto quase conflitante sobre "a criança no centro do processo".
Em instituição de produção, tipo uma fábrica, o cliente está no centro do processo porque produzimos para ele - na instituição escola, a criança está no centro do processo porque produzimos para ela.
A questão é que esses tipos de processo teriam que ser diferentes - em relações humanas não existe centro, existem centros. As teorias educacionais que falam de criança no centro do processo são teorias baseadas em escolarização, não no contrário.
Tirar o filho da escola pode ser um dos caminhos, só não acho que é porque a criança vai passar a ser centro. A criança aprende na relação com os demais e estes demais tem de ser múltiplos para que a linguagem não seja a dos pais ou de tutores, mas que seja mista e, como mágica, a linguagem da própria criança. Falo um pouco sobre isso nos links abaixo:
augusto.blog.br/ensino-casa
augusto.blog.br/rede-comunidade
Mais uma vez parabéns pelo site!