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É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Rafael tá fora da escola, e agora?

Tirar um filho da escola é uma experiência radical. De repente você e seu filho se encontram num lugar desconhecido, onde existem mais perguntas que respostas.  O que devo fazer agora? Por onde começar? Por primeira vez a gente percebeu o quanto somos escolarizados.  O quanto estamos domesticados pelas instituições. O quanto elas nos acostumaram a ser pensados por elas. O quanto de responsabilidade a gente delegou a elas. Elas se tornaram os eixos por onde a gente caminha. Nos somos totalmente conduzidos.

Por isso o primeiro momento de desconcerto. Se não fosse assim, nem valeria a pena viver a experiência.  Isso mesmo, não sabíamos ao certo o que fazer. Sabíamos o que não fazer: isso era ir pra escola de novo. Esse seria o caminho muitas vezes trilhado.  Agora teríamos que criar, pesquisar, arriscar, ver com nossos próprios olhos.

Os primeiros dias e semanas foram terríveis. Havia que responder a cada dia sobre o que fazer com Rafael que agora estava em casa olhando para nos e esperando os comandos. E não havia comandos. Havia que responder a toda a família que agora perguntavam preocupados pela sorte do moço. E as respostas que dávamos eram sempre fonte de mais perguntas.  Era evidente que tínhamos instaurado algo anormal, e o olhar de todos a nossa volta era de suspeita. Não falaram as advertências...”vocês podem ser presos”. 

O Rafa...acordava tarde. Não gostava de ler, não gostava de escrever. Não se interessava por nada em particular.  Nenhuma disciplina vista na escola lhe lembrava nada que o despertasse.  Era um menino típico escolarizado. Tinha passado 7 anos na instituição e estava completamente acomodado aos comandos que a instituição lhe dava.

É desesperante ver como o tempo voa nessa situação. Se estivesse na escola, seus dias começariam as 6 horas da manhã, teria horários a cumprir, teria disciplinas, deveres de casa, horas de entrada e de saída. Teria hora pra dormir e pra acordar.  Agora não tinha nada disso.

Também seria muito tranqüilo comprar os livros de texto ordenados pela escola e deixar que ao longo do ano, trabalhasse capítulo a capítulo. Teria suas provas, e no final seu certificado.  Agora não teria nada disso.

Eu comecei perguntando a ele muitas e muitas vezes sobre seus interesses. O que ele queria? De que gostava. A resposta era confusa. Todas as respostas conduziam a uma: quero meus amigos, meus colegas de sala.  Quero voltar pra escola.

Cada semana escorria da nossa mão e a gente não atinava a fazer algo positivo. Não compraríamos livros de texto dos que usam as escolas.  Isso seria como levar a escola pra casa. São incompletos,  inconsistentes e fragmentados. Nem sequer são uma leitura agradável. Não seria sentando o Rafael a ler esses anacronismos que organizaríamos a vida dele.

Pensávamos em leitura sim. Para isso durante anos acumulamos uma bela biblioteca. Mas o Rafa não tinha a menor intenção de aproximar-se dela.  Os livros, como a todo adolescente escolarizado, lhe provocavam tédio. 

Pouco a pouco percebemos que estávamos procurando pela figura do antigo tutor.  Durante horas e horas conversamos sobre isso. Queríamos um professor que se aproximasse dessa figura lendária da história da educação. Um erudito, humanista, um leitor que lhe apresentasse o mundo do conhecimento. Mas...onde conseguir uma figura assim? Quanto custaria caso a encontrássemos?

Buscamos...muito. Não achamos. O mercado de professores o máximo que oferece é professores de uma determinada área. Ou então professores que acompanham o fluxo escolar. Fazem o chamado reforço escolar. Se a criança não está se dando bem com um assunto ou disciplina, eles lhe explicam o que ele não entendeu. Era pouco. Assim, abandonamos a procura pelo tutor. Ele não existe mais.

Voltávamos então ao tema dos interesses dele.  E foi assim que um dia de maio, ele quis voltar a estudar guitarra.  Já tinha iniciado isso uns anos atrás,  tinha abandonado achando que sabia demas. Agora voltava a sentir que a guitarra era algo que o  seduzia. Eu relutei...não seria apenas algo para ser abandonado um tempo depois?  Mesmo assim, um dia fomos de novo na escola de guitarra. Foi um bálsamo na alma dele. Em semanas ele progrediu bastante e sua relação com o instrumento e com a musica começou a desdobrar-se. (Já teremos mais notícias sobre isto).

Outro elemento que apareceu foi o estudo do inglês. Consideramos uma das melhores escolas de inglês da cidade. Inglês já tinha sido fonte de sofrimento pra ele. Mas agora ele parecia sentir-se muito a gosto.  Vale dizer que este é um tema para ser muito bem pensado: o porque da necessidade de outra língua e o porque uma escola de inglês é diferente de uma escola.  O certo é que Rafael iniciou um romance com essa língua.

Nessa mesma lógica fomos procurar uma instituição que trabalhasse apenas com matemática. Onde todos os professores fossem matemáticos (assim como na escola de inglês todos eram anglo falantes). Como a  quase toda criança a matemática lhe causava arrepios.  Mas lá foi ele desbravando o universo dos números.

Introduzimos algo entorno do aprendizado do manejo dos computadores. Queríamos que tivesse familiaridade com esses aparelhos, que aprendesse essa linguagem.

Foi assim que se deu o primeiro ano do Rafa fora da escola. No final, ele estava  transitando eram várias linguagens: a da música, a do inglês, a dos números e a dos computadores.   Eram poucas coisas se comparado á quantidade de tempo que todo estudante dedica a estudar numa escola.  Mas a qualidade era outra. No final constatamos algumas diferenças a respeito dos dias de escola: ele não tinha mais tédio algum com o que estava fazendo. Cada aula de  guitarra era uma descoberta, um prazer. Com o inglês a mesma coisa. Pouco a pouco com a matemática a relação cresceu na medida em que a relação com a professora se afinava. Com os computadores...isso vocês já sabem como é...vício.

Quando terminou o ano estávamos ao mesmo tempo felizes e tristes. Podíamos ver que o Rafael tinha saído do zero eterno. Agora estava aprendendo. Agora  tinha prazer de ir pra cada uma de suas aulas. Isso nos deixava felizes. E tristes porque ainda não tínhamos chegado a uma solução satisfatória.

Sim...falta uma coisa pra contar, os amigos, e a tal de socialização. Bom, Sabem como são crianças. Antes o Rafael tinha como amigos os colegas da turma e mais nada. Agora, tinha saído a procurar e encontrou uma boa quantidade de crianças de idades próximas no mesmo prédio onde fomos morar. Com eles passava horas nos apartamentos deles ou no nosso, ou brincava basquete horas e horas.  Se encontrou com o esporte e seu corpo começou a crescer.

E...não, não estávamos satisfeitos...não era isso que queríamos.  Mas muito do que queríamos começava a formular-se na nossa alma de uma outra maneira.  Durante o segundo semestre nos dedicamos a consolidar isso. A observar sua relação com os objetos de conhecimento dos quais se aproximava. A tentar perceber quais eram suas rotas de aprendizagem.

Nos faltava com quem conversar seriamente. Nos faltava encontrar modelos, vivências. Por falta desse dialogo, desse espelho, durante as férias do final de ano decidimos voltar com ele para um colégio formal. Mas não tínhamos a sensação de derrota. Rafael havia crescido como indivíduo, se havia singularizado, tinha agora elementos que eram dele, não do grupo, e de todas maneira agora era um garoto que tinha vivido uma ruptura, uma quebra de padrão.  Ele estava voltando pra escola, mas não tínhamos o sabor da renuncia. Todo o contrario, algo havia sido semeado. E agora esperaria o tempo suficiente para germinar.

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