Páginas

É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Derreter as escolas

Na história, "tudo que e sólido desmancha no ar". Mais até chegar ali todo paradigma tende a consolidar-se...solidificar-se. E nesse movimento vive uma certa sacralização. Na altura de sua máxima consolidação histórica, se oferece como algo eterno, incontestável, sagrado, absolutamente verdadeiro. É isso que faz com que se construam consensos que protegem, conservam, mantém os fundamentos e estruturas do que se entende como paradigma dominante. Consensos que se tornam leis, obrigatoriedades, forças maiores.  

Roma era para ser eterna. A igreja católica medieval se entendia a própria eternidade. A Alemanha Nazi também teve essa pretensão. Porém não resistiram ao teste do tempo. Hoje o capitalismo e a escola se nos apresentam com as mesmas premissas.

Um dos muitos sintomas do apocalipse de um paradigma e a sua incapacidade para responder à complexidade que todo novo tempo impõe. A crise, antes presente de tempos em tempos, passa a ser um elemento do quotidiano. É o que vivemos hoje com a escola e com os sistemas econômico e político, os responsáveis do modelo escolar que vivemos no mundo, é isso inclui socialismos diversos. 

Outro sintoma é a incapacidade de assimilar positivamente as mudanças históricas. Assim o que antes foi elemento de vanguarda, hoje é um elemento retardatário. Um mínimo de senso de realidade nos permite perceber: 

 * que o consenso atual entorno da escola não tem fundamento histórico, porque apresenta a instituição escolar como a única e absoluta instância legitima de educação, quando é apenas uma e bastante ineficiente. 
 * que a escola, pública ou privada, se tornou estática, conservadora, sólida, que tende a caminhar para trás num tempo em que as mudanças pulsam em todas as ordens da vida social. 
 * que mesmo as tentativas de reforma, apenas conseguem propor a volta a atras, a reinstalação de estratégias que já foram contestadas. 

Desmanchar a instituição escolar é preciso. Derreter tudo que nela a torna compulsivamente lenta, pesada, reativa. Quais são esses elementos? 

1. Derreter sua estrutura disciplinar. Todos os elementos que fazem da escola uma instância de controle do corpo e da mente do estudante e do professor. Derreter o dispositivo comportamentalista é fundamental. Ele torna estudantes e professores participantes de um jogo de poder que destrói toda possibilidade de alcançar personalidades autônomas, alegres, interativas. 

2. Derreter a estrutura curricular. O modelo cartesiano, que divide o conhecimento em compartimentos separados, subdivididos, especializados, incomunicados deve ser superado. Ele impede a aprendizagem e destrói a possibilidade de gerar indivíduos e coletivos capazes de ser criativos. Urge uma visão holística integradora e transdisciplinar.

3. Derreter a estrutura quantitativista. A idéia de que democratizar a educação significa aumentar o número de estudantes por sala, o número de horas dentro da escola, o número de assinaturas, o número de avaliações. A obsessiva construção de estatísticas robustas nada disse a respeito de aprendizagem efetiva, de consolidação de valores, de relações humanas, de abertura frente aos problemas reais das crianças, dos professores, da sociedade. 

4. Derreter a estrutura que privilegia a competição sobre a colaboração. O modelo que impele as crianças à competição como caminho de superação. A idéia evolucionista, anacrônica e cientificamente errada, de que os mais fortes serão os vencedores. Essa ideologia gera preconceitos, exclusão e alimenta diversos tipos de violência. Apenas uma minoria pode ser considerada vencedora enquanto a maioria deve aceitar que é desadaptada e incapaz. 

5. Derreter o modelo de avaliação. Concentrado exclusivamente na quantificação de acertos e erros. Incapaz de olhar para o processo, as necessidades e capacidades de cada indivíduo. Centrado na memorização, na repetição. Gerador de dados incapazes de aproximar-se do que efetivamente a criança aprendeu, quer ou precisa aprender. Eliminatório. 

6. Derreter o modelo burocrático e trabalhista. Estudantes e professores, obrigados ao cumprimento de ritmos institucionais pautados nas praticas industriais, alheios às necessidades, possibilidades e ritmos de aprendizagem dos estudantes, ocupados em vigiar o cumprimento de pautas, horários, pontos, no preenchimento de documentos, formulários e relatórios, todos, documentos alheios ao processo didático pedagógico e que esgotam a maior parte da energia disponível no sistema, evitando que este cumpra seu objetivo manifesto, qual seja, educar as crianças. Modelo que condena os professores a trabalhar cada vez mais por cada vez menos remuneração e sem tempo para aprender e atualizar-se, sem tempo para pesquisar e aos estudantes a estudar cada vez mais por menos aprendizado, a repetir incessantemente as lições fragmentadas e desconexas de livros de texto.

7. Derreter o modelo arquitetônico e espacial. Escolas fabricas. Escolas prisão. Escolas compartimentalizadas, vigiadas, fechadas. Escolas que interrompem fluxos, de pessoas, de relações, de idéias, de movimentos. Espaços limitantes, esteticamente feios, destruídos ou uniformizados, branqueados, desconectados da comunidade, da cultura, da vida, identificados com imagens estereotipadas(disneylandias de mal gosto), panóticos dissimulados. Espaços desconectados, tecnologicamente nulos, vazios e definitivamente repressivos. 

8. Derreter os dispositivos que separam estudantes e professores da relação profunda, alegre e confiante com os diversos tipos de conhecimento. Superar tudo que impeça o aprendizado, a pesquisa, o debate, o diálogo, a construção coletiva e individual de conhecimento. Efetivar a relação amorosa com os livros, com a informação, com as comunidades de produção de conhecimento, com os diversos saberes. Concentrar a relação professor-estudante entorno de todos os tipos de conhecimento (mitologia, magia, filosofia, teologia, ciência,a arte, saberes e tradições). Favorecer o dialogo entre todos estes tipos de conhecimento. 

9. Derreter os muros da escola. os físicos e os epistemologicos. Que o mundo lá fora circule totalmente dentro da escola. Que a escola aproveite tudo o que vive lá fora. Que a escola viva o mundo como um grande livro, que viva para aprender dele e para transformá-lo, para criá-lo. Que toda paisagem física ou humana seja tema, objeto e objetivo. Que a vida das crianças e dos professores seja fundamental no processo de aprendizagem. Que a rua, a familia, a comunidade, as instituições, o museu, o mercado, a natureza, sejam a sala de aula e o livro, o personagem, o experimento, o sujeito do interesse. Que a vida de cada um seja matéria prima para o estudo. 

10. Derreter todo senso de obrigatoriedade. A escola é obrigatória. Compulsória. O aprender é uma predisposição natural de todo ser humano. A obrigatoriedade destrói o prazer de aprender. Urge recuperar o estatuto de liberdade inerente a aprendizagem. 

Como conseguir isso? Não se ocupe em reformar a escola. Esta não é uma pauta de reformas. Apenas abandone o sistema escolar. Isto é, ocupe-se em viver a educação, sua, dos seus filhos ou estudantes, da sua comunidade a partir de outros parâmetros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário