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É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Primeiras lições aprendidas

Contamos num post anterior (O Rafa está fora da escola, e agora?) algumas passagens do primeiro ano do Rafael fora da escola.  Aprendemos algumas coisas que depois se tornaram muito importantes para entender e estruturar o processo de desescolarização. Vamos tentar sintetizar aqui algumas delas:

1. Ninguém está pronto para sair da escola. É necessário des-institucionalizar-se. Todos nós, exceto aquelas crianças que não foram matriculadas em nenhuma instituição, fomos ao longo dos nossos anos de escola, institucionalizados.  E o que isso significa é que fomos condicionados a cumprir todos os comandos que a instituição determinou. Perdemos assim, a capacidade de criar nossos próprios roteiros. Nos acostumar-mos a caminhar por rotas demarcadas pela instituição. O que é certo ou errado, o que é eficiente, suficiente e sustentável, tudo, é decidido por ela. Nós nunca somos chamados a participar desse processo. Assim, temos como única possibilidade aceitar essa sintaxe. Como na Idade Média, ninguém imaginaria sair da Igreja, da mesma maneira hoje a maioria não imagina que pode sair da escola. Esse é o sintoma principal da mentalidade institucionalizada.

2. Por tanto, precisamos passar por um processo de des-institucionalização. Nada fácil. Não existem manuais para fazer isso sem passar por momentos de desespero, de angústia. O sentimento principal é entorno de estar caindo fora do mundo.  E o mundo todo vai estar aí para lembrar você da sua queda. O mundo virá em forma de milhares de perguntas que muitas vezes não sabemos como responder. E não sabemos se as respostas nos satisfarão e a todos os que venha a questionar. Teremos ainda que lutar com nossos medos. O medo de perder os amigos, de ser incompreendidos, o de ser castigados, o medo enorme de estar errados, o de não saber exatamente o que deve ser feito. E muitos outros medos, como o medo do tempo que começa a correr feito um louco e escapa das nossas mãos, sem que consigamos dar uma forma fluida ao que queremos.  Mas temos que ter certeza de que se foi possível institucionalizar-nos, também será possível des-institucionalizar-nos. Algo dentro de nós vai emergindo quando na vida cotidiana nos permitimos experimentar nossos próprios ritmos, escolhas, sensações e pensamentos. Algo se desconstroi do lado de fora e algo volta a surgir do lado de dentro.   Temos muito a aprender sobre nós mesmos durante este período.  (Já virão novos textos sobre este ponto).

3.  O valor da diminuição da carga horária e curricular. O que se constata de imediato é que na escola o número de disciplinas e de atividades é muito superior as que uma família pode oferecer. No começo isso dá angústia. Mas depois, você percebe que essa é uma das grandes mudanças positivas. O melhor é começar efetivando uma atividade de cada vez. De maneira que para a criança ela seja uma experiência única. Assim será possível observar como sua alma se movimenta entorno da nova informação. Melhor se essa atividade é uma demanda dela. Algo que ela quiser fazer muito. Como isso, tocar guitarra. Uma decisão da criança. Então acontece algo incrível...ela começa a aprender guitarra. A tornar-se um músico. Toda sua energia se volta para isso e o que antes eram classes compulsórias de música agora serão algo absolutamente envolvente e enriquecedor. Tanto que da para perguntar-se, mas porque antes ela passava pela música sem interesse nenhum? Porque não aprendeu nada significativo antes? Pouco a pouco a criança irá descobrindo novas áreas de interesse.

4. A nova relação que se estabelece com quem lhe ensina. Antes, era uma relação distante, mediada por todos os processos institucionais. Agora, livre de toda essa parafernália, estudante e mestre se encontram um frente ao outro e não deve existir nenhum dispositivo institucional que estabeleça o percurso. O resultado dessa relação não será uma quantidade de dados numéricos alimentando um sistema qualquer. Será outra coisa completamente diferente e familiar: eles se tornarão amigos. Em breve, estarão compartilhando muito além de conteúdos. Suas vidas, seus sonhos, seus medos, suas histórias,  seus mundos. Quem quer que seja, terá a possibilidade de colocar-se na sua inteira humanidade diante dessa criança. E a criança terá, finalmente um ser humano para aprender dele e com ele. Cada professor se tornará significativo na vida desse menino ou menina. E eles lembraram por anos de cada um deles.

5. A nova relação com o conteúdo que está aprendendo. Em troca de uma quantidade de conteúdo para ser revisado, agora, o que importa é quanto conteúdo está sendo aprendido. Algo começa a acontecer no interior desse menino(a), agora ele acha cada coisa muito interessante. Quer saber mais. Se detém muitas vezes frente ao que está descobrindo. Encontra sentido nos temas. O Rafael, por exemplo, me perguntou um dia: Pai, será que posso viver disso que estou aprendendo? Por primeira vez ele sentiu desejo de projetar a sua vida naquilo que estava aprendendo! Isso é muito importante. Por primeira vez ele quis ver-se a si mesmo usando o que estava aprendendo para fazer sua vida. Isso nunca vi acontecer durante o tempo de colégio. Parecia que nenhuma disciplina, nenhum tema lhe chamavam a atenção. Agora se havia dado iniciou a um processo de compenetração com cada objeto de estudo. Uma paixão, uma identificação.

6. Eles começam a ter certeza de que estão aprendendo algo e isso os deixa felizes. Durante os tempos de escola o sentimento de incerteza toma conta das crianças. É que eles percebem que se instaurou um jogo perverso no qual os professores fingem que ensinam e os estudantes fingem que aprendem. Mas, lá dentro, as crianças sabem que não estão aprendendo e algumas criam um sentimento de não ser inteligentes que não conseguem expressar com ninguém. Agora, fora da escola, essa experiência do aprender se torna forte. Algo nítido dentro deles. Estão ganhando elementos novos e dominando novas possibilidades. Um repertório novo se estabelece na alma deles. E eles começam a gostar disso. Há por tanto um empoderamento. Um desfrute.  Algo novo se instaura: agora eles percebem que são inteligentes e que aprendem facilmente e com abundância. A incerteza de antes desaparece e se instaura  uma alegria concreta: estão felizes de estar aprendendo.

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