A tensão
entre educar a partir de instituições ou educar a partir da vida teve alguns
dos seus episódios já na Antiguidade. Resulta interessante que esse cenário
seja justamente o século V a.C., no qual floresceu o que hoje conhecemos como
Grécia Clássica e nela, a figura imortal de Sócrates.
Nesse cenário histórico, Atenas está a alcançar seu momento
dourado. Se ampliam suas relações
econômicas, sua prosperidade material e
cultural. A velha constituição aristocrática é substituída pela
constituição democrática. É o
tempo de Péricles e da emergência do estado democrático.
Tudo isso impôs exigências à educação. Na esfera política, passou-se a
reclamar da educação maior liberdade individual, de pensamento e de ação. Por
outro lado, impo-se a necessidade de um treino ou habilitação do individuo para
aproveitar as oportunidades sem precedentes que se ofereciam para o
engrandecimento e realizações pessoais.
Na sociedade ateniense, ainda orientada pelo velho regime, não havia
meios para ministrar uma educação que proporcionasse ao individuo condições de
êxito pessoal. Toda a educação existente preparava apenas para o exercício
cívico. Nesse contexto, apareceram os sofistas, uma forma nova professores
profissionais que deram inicio um
modelo novo para a época: Os sofistas estabeleceram
instituições de ensino superior que funcionavam de um modo análogo às escolas
elementares. Tal como os vários professores de mousiké e gymnastiké,
os sofistas lecionavam em casas, palaestrae, gymnasia ou stoas privados. Estabeleceram disciplinas e currículos. E
cobravam caro pelos seus serviços e especialidades.
A palavra phrontistérion
(“Pensadoria”) dada por Aristófanes a uma escola dirigida por sofistas é o
reconhecimento de uma instituição ou pró-instituição. Um sofista e os seus
pupilos formavam um grupo com identidade coletiva, se não corporativa, que
personificava um ideal que dava regularidade a um aspecto da sociedade
(educação). Assim, Os sofistas, estabeleceram os princípios de uma nova fase
institucionalizada da educação superior.
Nesse
contexto Sócrates marcou um contraponto ao movimento sofista. Ele mesmo na sua juventude foi aluno
deles. Porém, uma vez assumido como filósofo na acrópole ateniense, estabeleceu
sem dúvida, um importante número de diferenças entre seu modo de ensinar e o
dos sofistas do seu tempo.
Segundo Platão
e Xenofonte, Sócrates não desenvolveu formalmente um currículo como os sofistas
fizeram. Estes formaram escolas temporárias, separadas da vida da cidade e
introduziram no sistema da educação antiga um segundo nível de educação formal
cujo conteúdo não era necessariamente uma instrução mais avançada nos assuntos
normais da escolaridade elementar, mas oferecia uma variedade de temas que
diferiam de acordo com a visão educativa de cada sofista.
O ensino de
Sócrates foi de fato uma “reação contra” os sofistas e a favor de uma educação que acontecesse através da associação (sunousia).
Isto é, em procurar que as
associações de jovens na cidade fossem válidas para o seu desenvolvimento
moral e incutir maiores preocupações intelectuais na existência de uma pessoa
no seu dia a dia.
Tal como é
descrito nos Diálogos de Platão e nos trabalhos de Xenofonte, a imagem
fundamental é Sócrates caminhando em Atenas, questionando e ajudando as
pessoas, na sua vida diária a pensar acerca das suas concepções, crenças e suposições
básicas. Em contraste com os sofistas, Sócrates parece ter-se mantido mais
próximo da noção da educação antiga, segundo a qual, depois do estádio
elementar de instrução, um jovem era educado, não em qualquer tipo de
escolaridade separada da cidade, mas informalmente, na vida da própria cidade.
Xenofonte
relata-nos o seguinte: Sócrates saía sempre de casa ao amanhecer. Ainda manhã
cedo, ia ao peripatoi e ao gymnasium. Quando o Àgora estava
repleto, podíamos encontrá-lo lá. No resto do dia, estava sempre no local onde
pudesse associar-se (sunesesthai) com o maior número de pessoas possível.
Assim,
poder-se-ia dizer que Sócrates, ao contrário de muitos sofistas, fundou uma
escola em sentido amplo, como uma associação de interesses comuns vinculados à
realidade vivida dos participantes. O método socrático se tornou um modo
compartilhado de produzir conhecimento por parte dos socráticos.
O Sócrates histórico
se posicionou frente ao estabelecimento das instituições educacionais
atenienses. Ele se recusou, deliberadamente, a fundar qualquer tipo de escola
secundária que fosse separada da vida da cidade.
Ao contrário,
Sócrates estava convencido que a sunousia, no contexto da vida na
cidade, era a base para uma educação superior. O dialogo Téages, ainda
que não seja de Platão, providencia uma indicação adicional de que Sócrates não
deu instrução num contexto privado separado da vida da cidade.
Outro filósofo
da antiguidade que criticou duramente as práticas sofistas foi o cínico
Diógenes. Ele era hostil em relação à educação institucionalizada.
Como
Sócrates, Diógenes recusou comprometer o seu ensino com qualquer lugar ou
tempo, e quaisquer seguidores que tivesse não tinham identidade coletiva como
um grupo de pupilos. Famoso é o seu
passeio pelo mercado da cidade onde em pleno dia ia iluminando seu caminhar com
uma lâmpada. Quando lhe perguntavam para que usar a lâmpada à luz do dia, ele respondia: “para ver tudo
do que não preciso”.
Todas estas
evidências apontam para a mesma conclusão. As interpretações dadas por Platão e
Xenofonte sobre as práticas socráticas confirmam um aspecto fundamental do seu
legado histórico: Sócrates era contra a tendência sofista de institucionalizar
a educação.
Era por tanto
Sócrates um precursor da idéia de que o conhecimento e a consciência fluem
melhor no cenário aberto do mundo,
na cidade, na rua, dentro de casa, no trabalho, no comércio. Ali onde a vida se realiza, onde cada um
cria sentido e faz história. Isto é, a vida desescolarizada!!!!
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