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É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Um GPS para Rafael

Depois do primeiro ano do Rafael fora da escola, muitas questões ficaram acesas. A mais forte foi a necessidade de ter um instrumento de navegação que orientasse a viagem pelo imenso mar do conhecimento. Era preciso contar com um instrumento, que no fosse o currículo escolar com suas inevitáveis fragmentações de conteúdo, que lhe permitisse ter um norte. Algo que desse ao Rafael um horizonte e ao mesmo tempo a possibilidade de fazer escolhas significativas para ele.

Conversando com ele sobre esse assunto percebi que muitos dos meus alunos na Universidade passam pelo mesmo problema. O que estudar? Por onde começar? E depois por onde seguir? Como saber que não se está a errar nas escolhas realizadas? O que escolher se ha tanto para ser estudado?. Todos nos sentimos entrando num labirinto e isso é angustiante.



Em geral não sabemos navegar pelo imenso mar do conhecimento. Todo estudante ( e por que não, todo professor) tem a mesma sensação. A sensação de estar perdido numa imensa massa informe de dados. Não sabemos onde começam nem para onde vão. É o mesmo que estar numa grande cidade e desconhecer para onde vão todas as pessoas e automóveis que passam em todas as direções. O máximo que atinamos a fazer é perguntar onde estamos. Podemos até encontrar um endereço mais isso não significa nada além de que descobrimos um ponto que faz algum sentido. E de ali nos agarramos. 


Um bom dia apareceu uma metáfora que me permitiu aproximar-me a mim mesmo e aos meus alunos de algo que iluminou nossa navegação.


Eu disse pra eles, "pensem o conhecimento como se fosse uma cidade enorme, com seus diversos bairros, zonas, centros e periferias. Uma cidade que está sempre em construção, sempre em transformação, onde alguns lugares se tornam muito visitados enquanto outros estão sendo abandonados. Alguns bairros novos estão sendo construídos, outros são tradicionais e outros ainda, lembram que foram moda em outros tempos e hoje são visitados apenas por alguns saudosos ou por curiosos. Avenidas que comunicam diversas partes da cidade. Ruas e ruelas. Atalhos. Uma cidade, em fim, que se metamorfoseia a cada instante, que vibra, que se renova e que nesse processo vai fazendo sua história. Da mesma maneira funciona o conhecimento!!". 


O mesmo ocorre no mundo do conhecimento, nos agarramos de alguns dados que nos parecem certos, basicamente porque desconhecemos a dinâmica que anima todo o movimento desse complexo mundo. 

De que precisamos para poder andar numa cidade que desconhecemos? De um mapa, claro. Ele nos permite ter uma visão do todo, e ir e vir, de maneira a que o que vemos possa fazer sentido num contexto maior. Assim, por exemplo, ninguém pode dizer que conhece plenamente São Paulo, uma cidade com 23 milhões de habitantes. Todos somos estrangeiros numa cidade como essa, mesmo os que moram nela a vida toda.  A esse respeito um taxista me disse uma vez: "Aqui cada um vive numa pequena cidade e desconhece o resto". Pois bem, o mesmo acontece no mundo do conhecimento. Cada um conhece em maior ou menor grau um tema, um assunto, e desconhece o resto.  O taxista disse mais: "Eu mesmo sem meu GPS, não daria conta, eu preciso dele todo dia, é assim que eu me localizo".

Um adolescente como Rafael não gostaria de ter um mapa. Mais um GPS....ummmm...isso seria muito legal. Um GPS do conhecimento!!!


E lá fomos nos, a pensar o conhecimento como se fosse uma cidade. 

O primeiro foi perceber as grandes zonas dessa cidade. No começo para Rafael, tudo indicava que a sua cidade era feita das disciplinas da ciência. Então lhe apresentei outras zonas: a filosofia, a arte, a mitologia, a magia, a teologia e os saberes tradicionais. A nossa cidade seria uma cidade transdisciplinar!!! Se fossem apenas as disciplinas científicas, então seria uma cidade disciplinar. Más seria uma cidade pequena. Pequena ao menos no contexto de outros tipos de conhecimento que fazem parte da megalopole que é realmente a cidade do conhecimento. Ali, não circulam apenas cientistas, outros habitantes ocupam amplos bairros, bairros que já foram centrais, e outros que hoje parecem marginais, mais, que se olhados de perto, estão em plena atividade e continuam a gerar incríveis possibilidades de entendimento da vida e do mundo.

Então foi o momento de entrar em cada zona e deixar que os bairros aparecessem no mapa que estávamos construindo. Na zona da ciência, o Rafa identificou alguns bairros e percebeu que seria necessário deixar espaço para muitos outros. Os que estavam na sua cabeça eram os tradicionais bairros da biologia, a química, a física, a matemática. Logo descobriu que alguns bairros vizinhos tinham suas particularidades, como a da história, da geografia, a economia, a sociologia e a antropologia. 

Na zona da arte, um pouco mais difícil, ele caminhou bem na música, no qual ele já tinha transitado, na pintura e na escultura, e mais tarde em outros bairros como a dança, a fotografia e o cinema entre outros.
A estranheza aumentou na zona da filosofia. Ele tinha a sensação de que nunca havia pisado nessa arena.  
Confundia filósofos com bairros inteiros. Sócrates, seria um bairro? me perguntou. Lhe respondi, será Sócrates um setor dentro de um bairro, quem sabe o da Filosofia Grega?

As zonas da magia e da mitologia foram grandes surpresas. Ele já tinha visitado algumas mitologias e tinha uma noção de bairros a visitar. Mais algo que ele desfrutou mesmo foi visualizar a zona dos saberes tradicionais. O bairro da marcenaria e da cozinha ele adorava visitar de vez em quando. Mais quando entre outros muitos saberes encontrou o a lutheria, sua alma vibrou na hora. "Eu quero isso pai".



Era isso.  A construção do mapa lhe permitiu ir identificando seus interesses, descobrindo zonas que antes estavam na penumbra, abrindo espaços que lhe causavam euforia. Pouco a pouco fomos entrando em cada bairro e descobrindo o que ele podia conter. 

Agora Rafa tem um GPS. Quando navega no mundo do conhecimento sabe onde está, aonde pode ir. Quais as alternativas e as possibilidades. Ele começou a se sentir localizado. No seu computador ele vai organizando os assuntos que toca dentro do seu mapa e isso lhe permite navegar sem perder-se no horizonte.

Em fim GPS na cidade do conhecimento... é preciso.







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