Sua influência na educação de crianças e adolescentes?
As seguintes são cenas do cotidiano de milhões de famílias. Uma criança sentada frente a uma enorme pilha de livros didáticos. Uma mãe recomendando ao filho não rabiscar no livro didático que ela espera poder vender para outra criança no ano seguinte. Uma mãe ou um pai, tentando vender os livros didáticos que seu filho utilizou no ano anterior. A visão de um sebo no qual montanhas de livros didáticos se acumulam no meio à poeira. Uma pilha de livros didáticos usados em algum canto da casa.
Vale lembrar que na
sociedade capitalista contemporânea, tudo que é descartável, vira lixo.
As seguintes são cenas do cotidiano de milhões de famílias. Uma criança sentada frente a uma enorme pilha de livros didáticos. Uma mãe recomendando ao filho não rabiscar no livro didático que ela espera poder vender para outra criança no ano seguinte. Uma mãe ou um pai, tentando vender os livros didáticos que seu filho utilizou no ano anterior. A visão de um sebo no qual montanhas de livros didáticos se acumulam no meio à poeira. Uma pilha de livros didáticos usados em algum canto da casa.
Outras cenas acompanham as
anteriores: crianças chorando frente a livros didáticos. Crianças tentando memorizar o conteúdo
entediante de livros didáticos. Crianças odiando livros didáticos. Crianças procurando entender o conteúdo
fragmentado, confuso, desconexo dos livros didáticos. E uma mais: pais
comprando e pagando caro por
pilhas de livros didáticos.
Milhões de famílias....muuuitos
milhões de livros didáticos todo ano. A estes se somam outros milhões de textos que são resumos de
livros clássicos. O resumo do Don Quixote, o resumo do Alienista, o resumo do Anjo das Ondas, o resumo
da Ilíada, resumos, resumos, resumos....milhões de grandes obras convertidas em
resumos. Milhões deles são depositados em sebos.
A indústria editorial, que pena
pela lentidão com que cresce a demanda de livros...cresceu sobre a enorme
demanda de livros didáticos e textos literários adaptados para a escola. A diferença do mercado de livros, no
qual o leitor decide que livro quer, quando o quer, porque o quer, o que faz
dele um ator ativo, movido pelo seu interesse, o mercado do livro didático se funda sobre uma demanda de
caráter passivo. Nem o comprador, nem o leitor, estão interessados neles. São
obrigados a comprá-los. São milhões de pilhas de livros de caráter obrigatório
demandados pelas escolas.
As engrenagens dessa indústria
estão fundadas sobre os mesmos princípios da produção de objetos de
consumo. Para tornar esses
empreendimentos rentáveis, é necessário que o consumidor repita infinitamente o
ato de compra. Para tanto, o
produto deve ser essencialmente descartável. Se fosse reutilizável geraria
prejuízo. Como os eletrodomésticos, os carros, as roupas e, praticamente todos os bens de consumo, os
livros didáticos são desenhados, pensados, planejados para serem usados e descartados rapidamente.
Esse é o princípio fundamental da indústria contemporânea: a obsolescência. Um
produto obsolescente é aquele programado para não ser reutilizado.
Os livros foram, pela sua
natureza, obras para a eternidade. Embora sofressem o impacto das traduções, livros como a Ilíada, a
Odisséia, a Bíblia, as Mil e uma Noites, Sonho de uma Noite de Verão, A
República, A Utopia, etc, são
obras que podem ficar uma eternidade esperando que um novo leitor, mesmo de
gerações diferentes, se deleite com ele e cresça.
O axioma da obsolescência
introduzido na produção industrial de maneira a revitalizar um capitalismo em
plena crise, durante os anos 30, finalmente alcançou a indústria editorial. Hoje, a maior
parte do que se produz editorialmente é descartável. A maior parte dos títulos
é para o descarte. Apenas uma pequena parte de uma livraria de fato, oferece
livros que valha a pena ler,
reler, emprestar e pedir de volta.
Dentre as montanhas de material
publicado descartável, se encontram todos os livros didáticos. É com eles que o
sistema escolar pretende educar milhões de crianças. Parece injusto e exagerado disser isso. Mas, vamos
aproximar-nos deles e veremos como o negócio funciona:
* Um livro didático está feito
para não ser reutilizado. Para
evitar sua reutilização, eles são sistematicamente “atualizados”. A cada ano, o
mesmo livro, ganha uma nova edição. Assim, a indústria editorial introduz
pequeníssimas mudanças em cada texto (troca um titulo, troca a ordem dos capítulos, muda de cores aqui e ali) e assim, se decreta a descartabilidade da edição
anterior.
* Da mesma maneira que na
industria farmacêutica, onde um exército de representantes visita os médicos
oferecendo amostras grátis de novos produtos, na indústria editorial os
professores são assediados a cada ano com amostras gratuitas de novas versões e
novos títulos.
* O critério de mudança entre um
texto didático e outro não obedece à necessidade de oferecer melhores textos
aos estudantes, mais a necessidade de “atualizar”os textos e isso significa,
apenas comprar a nova edição.
* A nova edição em geral é, se
analisada de acordo com seu conteúdo, mais ou menos a mesma que as anteriores,
a grande diferença está no desenho. As últimas são desenhadas de maneira a
chamar a atenção do consumidor adolescente.
O que dizer dos livros “resumo”?
É melhor não perder tempo nisso. Eles, simplesmente não resistem qualquer
critica. São isso: descartáveis.
Mas da mesma maneira que
fármacos, os livros didáticos e os livros resumo tem efeitos colaterais que
muitas vezes são piores que a doença que pretendiam combater.
Os professores, se limitam a esse tipo de texto. Fazem do
planejamento anual apenas um cola e copia dos capítulos do livro didático que
escolheram. Suas aulas são ou um seguimento página a página do livro ou um
salteado indecifrável. É o que entendem por coerência e consistência.
Mas é justamente por fazer isso
sistematicamente que o resultado geral é da mesma natureza que o material
utilizado. Os estudantes aprendem o exercício da descartabilidade de
conteúdos. Se concentram naquilo
que o professor indica que vai cair na prova. E depois esquecem tudo. Esquecer
é o ato do descarte.
A relação que se estabelece com
um livro, é significativa, pelo fato de que o leitor será para sempre transformado
pelo ato da leitura. Cada livro adquirido se torna um tesouro que poderá ser
acessado cada vez que o espírito do leitor assim precisar. Estará ali, nesse
lugar sagrado que costumamos chamar biblioteca. É o lugar que costumamos reservar aos tesouros que
escolhemos e com os quais nos acompanhamos ao longo da jornada. Com os livros didáticos, não. Eles
nunca farão parte das referencias do leitor. Mal se lembrará do titulo. Nunca regressará a eles. Os dará de presente,
tentará vendê-los, os jogará no lixo ou os guardará numa caixa escondida no
porão.
As famílias reservam,
lamentavelmente, pouco dinheiro para comprar livros. E a maior parte desse dinheiro se vai em comprar livros
didáticos. Isso contribui para o fato de que poucas famílias conseguem reunir
livros suficientes para poder dizer que tem em casa uma biblioteca.
Outro efeito colateral do uso de
livros didáticos é que eles conseguem convencer o jovem leitor da
desnecessidade de todo e qualquer livro. A escola passa essa mensagem. Ali, devem encontrar tudo o que
é necessário. Tudo que precisam para passar no vestibular. Argumentos como
esses destroem qualquer chance de estabelecimento de uma relação sadia com os
livros.
O diálogo com diversos autores,
necessário na construção do conhecimento se torna impossível. O estudante não
consegue perceber que tudo na história do conhecimento foi construído num
processo de dialogo entre autores. Os livros didáticos anulam o diálogo. E ao fazer isso, impedem a aproximação
do estudante com os autores.
Dificilmente um estudante
conseguirá apropriar-se da linguagem típica de um campo de conhecimento. No esforço por memorizar alguns dados
soltos no livro, deixará passar o que é mais importante, o linguajar dos nativos desse campo, os autores. E
terá já adquirido a pressa por abandonar aquilo que entende passageiro e inútil
na sua vida.
A obsolescência dos livros
didáticos termina por contaminar toda a relação com o conhecimento que deveria
nascer justamente nos primeiros anos de
estudo. A pesar disso
o sistema educacional consegue gerar todos os dados de que precisa para
justificar sua existência: notas, presenças, diários, relatórios. A pesar disso a industria consegue seus
objetivos empresariais: aumenta suas vendas, alcança seus lucros.
Perde o País, que recebe milhões
de analfabetos funcionais todo ano. Perde o estudante que não mais conseguirá
ver sua vida numa perspectiva
iluminada pelos bons livros. Perde nossa história, que verá passar outra geração
sem o contato profundo e benéfico dos livros eternos, aqueles em que gerações e
gerações de pensadores, artistas, cientistas, criadores, depositaram o melhor
dos seus esforços, o conhecimento.
Excelente artigo. Há ainda um outro efeito maléfico dessa dinâmica: escasseia a produção e comercialização dos bons livros, aqueles que realmente contribuem para a formação dos nossos filhos, que trazem o conhecimento de forma integral e prazeirosa. Vocês já ouviram falar de Charlotte Mason e sua abordagem de ensino através de "whole books"?
ResponderExcluirPrezada Juliana. Obrigado pela indicação do método de Charlotte mason. De fato não o conhecíamos. É interessante como a prática da desescolarização nos leva à mesma questão: que livros ler? E claro, depois de "descartar os livros descartáveis, os didáticos, percebemos que uma criança deve ler poucos livros, mas bons livros, livros clássicos, livros que tem demonstrado ao longo do tempo que fazem parte do legado histórico da humanidade em qualquer tipo de conhecimento. O Rafael, por exemplo, se concentrou durante uns bons 7 meses na leitura da Ilíada de Homero. Isso lhe significou a leitura de outros textos de maneira a dar conta de entender o livro. Hoje ele percebe a importância de viver esse desafio, o desafio de ler integralmente um livro clássico.
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