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É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Questões para ter em conta na hora de fazer uma lei para a educação domiciliar I.




Argumento 1. A Educação Domiciliar atenta contra o estabelecido na Constituição e nas Leis Nacionais da Educação.


A prática da educação domiciliar é uma realidade em diversos países do mundo. Também no Brasil. Em alguns países já existe uma legislação pertinente para essa prática. No Brasil, ainda temos um vazio na legislação ao respeito. Assim, se a prática existe e um numero de famílias cada vez maior faz essa opção, torna-se improrrogável definir o status legal dessa prática.

O debate está por tanto, em aberto. E já se escutam vocês a favor e em contra do Projeto de Lei que o Deputado Lincoln Portela do PR, deve apresentar à Câmara de Deputados para sua votação. 

Nos últimos anos outros projetos de Lei foram arquivados, sem chegar a ter o devido debate. Tramitaram na Câmara dos Deputados, desde 2008, os Projetos de Lei (PL) 3518/2008, de autoria dos Deputados Henrique Afonso (PT-AC) e Miguel Martini (PHS-MG), e 4122/2008, de autoria do Dep. Walter Brito Neto (PRB-PB). O parecer dos relatores do projeto foi suficiente para destruir essas iniciativas. Em junho de 2009, a então deputada relatora, Bel Mesquita (PMDB-PA), apresentou à Comissão de Educação e Cultura - CEC um relatório propondo a rejeição dos projetos sobre homeschooling, alegando que eles violariam a Constituição e as leis brasileiras, que a socialização escolar é imprescindível e que há países desenvolvidos que proíbem ou restringem o ensino domiciliar.


Um mês depois (em julho de 2009), o Dep. Lobbe Neto (PSDB-SP) sugeriu à CEC que, antes que ela tomasse alguma decisão acerca do relatório da Dep. Bel Mesquita e dos projetos sob análise, fosse realizada uma audiência pública, na qual a CEC convidaria especialistas no assunto a apresentarem palestras e discutirem o tema perante a Comissão. Essa audiência de fato foi realizada em outubro de 2009. Em conseqüência dessa audiência, o deputado que a presidiu, Wilson Picler (PDT-PR), convenceu-se do mérito do ensino domiciliar e preparou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) destinada a consagrar na Constituição Federal o direito ao ensino domiciliar. Ele conseguiu o apoio de dezenas de outros deputados para apresentar essa proposta. Trata-se da PEC 444/2009, que também está tramitando no Congresso.

Depois dessa audiência pública, a tramitação dos PLs na CEC da Câmara parou por um longo tempo. O relatório da Dep. Bel Mesquita foi arquivado sem ser votado. Em 15/09/2011, o novo relator, o Dep. Waldir Maranhão (PP-MA), apresentou um novo relatório à CEC sobre esses projetos. E esse segundo relatório também recomendou a rejeição dos dois projetos, com base em argumentos idênticos aos da antiga relatora Bel Mesquita. Esse relatório ainda não foi votado pela CEC.

O que resulta agora interessante é perceber que as vozes que se levantam contra o novo PL, já começam a usar os mesmos argumentos que foram utilizados no passado.

Mas, quais são esses argumentos? Em que consiste o seu valor? São realmente incontestáveis?




Argumento 1. A Educação Domiciliar atenta contra o estabelecido na Constituição e nas Leis Nacionais da Educação.


O que a Constituição brasileira explicita no artigo 205 é que, “A educação, (é) direito de todos e dever do Estado e da família”. No artigo 209 se lê que ”O  ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo poder público e no Artigo 210 que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

Em consonância a esses princípios constitucionais, a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), art. 23, caput, dispõe que, “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”.

Quais desses elementos não são cumpridos efetivamente pela Educação Domiciliar?  Em primeiro lugar quando uma família opta pela educação domiciliar, está de fato assumindo  do dever de dar educação aos seus filhos.  O que está fazendo é optando por uma modalidade de ensino privado, tal como fica explícito na Constituição.  Tal decisão não retira nem diminui o dever do Estado de garantir o Direito de uma criança educada domiciliarmente à educação. O que deve ocorrer é que o Estado defina instâncias específicas para que possa cuidar pertinentemente das crianças que vivem sua educação nessa modalidade.

A LDB, deixa claro que a educação básica segue séries, períodos, ciclos, faixa etária.  Que são os critérios com os quais se estrutura a educação escolar. Porém, também  menciona a possibilidade de uma forma diversa de organização, sempre que o processo de aprendizagem assim o recomendar.  Bem, a educação domiciliar, centrada no processo de aprendizagem da criança apresenta de fato, uma forma diversa de organização.


Quando a Constituição chama atenção para o cumprimento de conteúdos, faz questão de usar a palavra mínimos. O que significa que é licito e possível uma diversidade de percursos (que é o que ocorre na Educação Domiciliar), sempre que  se garanta o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”.

A rigor, não seria necessária uma Lei, a não ser para evitar interpretações erradas do que já existe na Constituição e na LDB. Falta sim, regulamentar isso.  Por exemplo, seria necessário desdobrar os alcances do “dever” das famílias. Também seria importante definir por exemplo,  se acaso seja necessária a existência de instituições privadas especializadas em atender crianças em regime domiciliar. Como as que existem na Europa ou nos Estados Unidos, cuja função seria orientar epistemologicamente  e juridicamente às famílias e às crianças na experiência que estão vivendo, fornecer todo o processo de registro, memória, avaliação e de certificação de suas atividades e responder por esse processo diante das autoridades competentes. Essas instituições funcionam praticamente como já funcionam empresas que oferecem ensino a distancia no Brasil.

No entanto, o Estado pode sim vir a brindar esse serviço, quando se trate de famílias de baixos recursos que, querendo optar pela educação domiciliar, não disponham de dinheiro suficiente para pagar uma instituição privada.  Os programas de Educação a Distancia do Estado, canais de televisão  e rádio públicos, além de programas de inclusão digital podem, como de fato já acontece, ser  uma estrutura pertinente de apoio, em todos os sentidos, para criança educadas domiciliarmente, tanto nas cidades como no campo. Para essas famílias, pode ser de grande valia, contar com apoio público a través, por exemplo, de um ator que poderia ser chamado de “Agente de Educação Comunitária”. Este, da mesma maneira que o Agente Comunitário de Saúde, pode visitar regularmente famílias e orientar, facilitar ou até, encaminhar a criança a serviços  públicos que atendam dificuldades de aprendizagem, a bibliotecas públicas, a centros de inclusão digital, a grupos de pesquisa nas universidades públicas, etc.


E se mesmo com estes esclarecimentos ainda tem gente que acha que o Ensino Domiciliar fere a Constituição e as Leis vigentes?

Então cabe sim, mudar a Constituição e as Leis de maneira a adaptá-las às demandas das famílias que preferem uma outra modalidade de educação. Teremos que ampliar a Constituição e a Lei se é isso que falta, toda vez que as famílias não se propõem a cometer delitos, mais a cumprir com o que entendem ser de mais importante em relação com seus filhos, que é garantir uma educação de qualidade.  Teremos então que lembrar que as Leis são instrumentos a favor dos interesses cidadãos,  e não apenas de maiorias, também de minorias que entendem de maneira singular alguns processos, como é o processo de educar os filhos. Teremos que lembrar que as leis não são eternas e nem inamovíveis, mas feitas pelos diversos movimentos humanos e processos históricos. Se até 1988 a Educação Domiciliar não estava no horizonte histórico dos legisladores brasileiros, deve ser incorporada ao horizonte histórico dos  atuais.

Ha mais a ser pensado. A Educação Domiciliar também pode ser uma solução para mais de 2 milhões de adolescentes brasileiros que não se adaptaram ao ensino escolar tradicional. São jovens que não tem alternativa, porque tudo que encontram é o caminho de volta para  a o sistema escolar ao qual não se adaptaram.  Uma política Pública responsável encontraria caminhos para que estes jovens possam reencontrar o caminho da educação desde seus lares. Se dirá que muitos desses lares não existem ou estão desestruturados. Então que encontrem a educação desde se mesmos e de seu desejo de fazer parte do mundo. Da mesma maneira deve acontecer com  a inclusão do tema Educação Domiciliar na agenda do Plano Nacional de desenvolvimento da Educação. 

Em qualquer caso, se trata de ampliar o papel do Estado.  A história mostra como os Estados cresceram e se desenvolveram justamente para poder manter-se como continentes das demandas de suas populações e não ao contrário.




Por estas razões pode-se afirmar  que a Educação Domiciliar cumpre perfeitamente o estabelecido na Constituição e nas leis da Educação Nacional. E que caso se entenda que existe mesmo um vazio  de legislação a esse respeito, é necessário adaptar todos os Instrumentos de Lei para que as famílias  que por essa modalidade optam, se sentam amparadas pelas leis e pelas instituições.


( Este é o primeiro de uma série de post sobre o tema.)

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