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É a escola a única instância educadora na sociedade contemporânea? É legítimo impor a toda a sociedade um único modelo educacional? Em pleno século XXI, é impossível pensar alternativas sérias ao modelo escolar? O que estão fazendo aqueles que tiveram a coragem de educar seus filhos fora da escola? Como pensar e implementar um processo sustentável de educação fora da escola?

Estas e muitas outras perguntas tem neste blog um espaço para construir respostas. Educar os filhos na sociedade do conhecimento é um desafio que supera de longe o modelo escolar...é urgente dedicar-nos coletivamente a consolidar essas alternativas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Escolas não crescem no ritmo das crianças




Desde 1990 até a atualidade tive a oportunidade de visitar inúmeras escolas em diversos lugares da Colômbia e do Brasil, de conversar com os professores e pais de família. De todo esse percurso, duas questões vem a minha memória. Questões que se tornaram importantes para mim, dada sua recorrência: 1.- A maneira como as escolas lidam com as crianças menores de 8 anos, e; 2.- A dificuldade das escola em lidar com as crianças que estão no limiar dos 10 anos.

Com os pequenos, no jardim de infância e ainda nas primeiras séries, as escolas adotam um modelo de funcionamento que se fundamenta na criança como centro do processo. O que cada um deles está sentindo, vivendo, experimentando, compartilhando é importante. Por tanto, o ambiente que se constrói para propiciar esse aprendizado está fortemente ligado ao lúdico e ao estético. Brincar e criar são como dois trilhos sobre os quais caminha o processo escolar. Você se depara com professoras (não sempre) predispostas a cantar, recitar, contar histórias, estar no chão, sentar-se com as crianças, correr com elas, participar de todos os momentos, na sala, no pátio, no banheiro, na cozinha, no jardim, na oficina. Existe um esforço por seduzir à criança, por expor diante dele um ambiente que beira na magia.  A relação professor-estudante se fundamenta no carinho, no conhecimento, na aproximação, na admiração. O professor sabe muito mais do que o nome de cada um dos pequenos.

É interessante dizer aqui, que funciona igual nas escolas que recebem como público crianças com algum tipo de deficiência. Independentemente da série, em muitas dessas escolas, cada sala é um mundo a ser explorado. De cada canto da escola explodem oportunidades de aprendizagem a partir de elementos que vem do teatro, da pintura, da musica, da lida com plantas, da experiência de sabores, cores, texturas, textos.

Nestas escolas as professoras(es) estão predispostos a rolar no chão, a se sujar, a rir, a brincar, a estar atentos de cada gesto de cada uma das crianças.  Você encontra cada professor divertido, cheio de estórias, de contos, de habilidades. São seres engajados e completamente entregues ao que essas crianças demandem deles.

É completamente diferente o que ocorre quando se trata de crianças, professores e ambientes das séries seguintes. A escola sofre de uma sorte de esclerose múltipla. Tudo se mostra rígido e cansado. Os espaços deixam o lúdico e incorporam a noção de disciplina. Se estabelece uma distinção clara entre o que é lúdico e o que não é. E se privilegia o que não é. O lúdico é confinado a determinados lugares e momentos.  O pátio e o recreio. Nesse momento as professoras (es) simplesmente desaparecem do lugar. Não participam, não compartilham, não rolam no chão, não suam, não se sujam. Aguardam silenciosos e sacerdotais as crianças na sala de aula, o lugar para estar imóveis, atentos, compenetrados, concentrados, silenciosos. Os professores adotam uma atitude cerimonial, punitiva, distante. E os estudantes decidem ser indisciplinados. Testam a todo momento os limites de cada professor, burlam cada código, sofrem cada minuto. Somente o recreio faz sentido. Somente a hora em que se vem libertos dos seus professores-vigias. Ali, no recreio, acordam. Na sala, adormecem. No pátio explodem, na sala se desdobram entre seus desejos e suas obrigações.

Tudo que antes era parte do processo, agora é entendido como irregular. E onde antes eram entendidos como alegres e criativos, agora são entendidos como indisciplinados, irregulares, desadaptados, desorganizados. Onde antes valia sua espontaneidade agora reina a arbitrariedade, a norma. Olham para essas crianças e sentem saudade de como eram quando pequeninas. Agora lhes parecem perigosas e sentem desconfiança. Todos sintomas de um escola que se nega a crescer, que vive no passado e que sente raiva dessas crianças que deixaram de ser criancinhas. Uma certa síndrome de Peter Pan. 

Não é pouca a literatura que existe sobre a necessidade e importância de fazer da escola um ambiente lúdico e esteticamente iluminado. Sobre a importância de estabelecer relações horizontais com os estudantes. Sobre o fundamental que resulta acompanhar o processo pessoal de cada estudante. Os autores das mais diversas tendências demonstram a toda hora como tudo isso que se faz no jardim de infância e nas primeiras séries, seria positivo em todos os anos de escola.  Mas, como bem disse o ditado popular, entra por um ouvido e sai pelo outro.

As escolas escrevem projetos político – pedagógicos, onde dizem que é isso que farão. Onde  informam qual será a postura de cada professor. Onde citam os autores que mais defendem essas idéias. Uns dias depois entram em sala de aula e mecanicamente vivem essa metamorfose. O professor lúdico fica no papel e aparece o disciplinador. Vem pra sala o burocrata e fica em meras palavras o ser humano dedicado a cuidar da relação com cada estudante. O artista desaparece e na frente se coloca um ser plano, sem paisagem, seco. Aquele que ensina ao brincar da lugar ao conteudista, ao cara preocupado com o numero de paginas e capítulos. O ser humano que conhecia cada nome e cada história de cada menino o menina, abandona para permitir a instauração daquele que apenas chama a lista e da faltas ou presenças. Quem sabia que estava acontecendo na alma de cada criança da passo ao que dispara notas em azul ou em vermelho.

Então as crianças enlouquecem. Subvertem. Manipulam. Mostram seus argumentos mais radicais, confabulam. Se tornam silenciosas em sala de aula quando o assunto é o tema que o professor está tratando. Falam apenas sobre o que lhes interessa, no cochicho. A sala vira um jogo de vigilância mutua. Nenhum pode participar sem ser chamado de nerd.   As fraquezas de uns, as fortalezas de outros são assunto permanente. O professor luta para dar o conteúdo do dia. Eles lutam para inteirar-se o menos possível. Interessa qual é a de cada professor, o que ele gosta de ouvir ou ler nas respostas da prova. Sabem que cada professor tem seu jeito e conseguem mapear cada um deles. A meta é passar a disciplina e passam. Nos recreios competem, se vingam, dão coices. O bulling é uma norma nas relações. Um evolucionismo básico toma conta do lugar. Os mais fortes acumulam privilégios e dominam o lugar em beneficio próprio. Os mais fracos, os gordinhos, os feinhos, os perdedores, viram sombras pelos corredores.  Todos são ou predadores ou predados. É a isso que as escolas e as instituições chamam de socialização. Se você sobrevive, então se considera socializado.  Assim, os controles por parte da administração da escola se desenvolvem: câmeras de televisão, vigias, blitz na entrada e na saída, dispositivos burocráticos de sanção, castigos, comunicados, etc. Se a escola é particular a paisagem é de domesticação. Lembra uma fábrica, um hospital. Se é escola pública, então a paisagem lembra qualquer lugar depredado. Lembra uma prisão, uma delegacia ou coisa pior.

Se aceita esses ambientes como normais. É isso que as escolas entendem que é crescimento: algo que torna as crianças insuportáveis e perigosas e aos professores múmias burocratizadas.

Mais, gente, é evidente que isso que ocorre com as crianças no representa um processo de crescimento. Que a atitude dos professores está longe de facilitar o desenvolvimento sadio de cada estudante. Que esse tipo de relações não levam ninguém a amadurecer, a aproximar-se do senso de cidadania, o coisa que o pareça. Isso que acontece é o que podemos entender como um ambiente patogênico. E esse tipo de ambientes gera diversos tipos de violência.  Mais explícita ou mais implícita, porém, violência do mesmo jeito.

Uma escola deveria crescer junto com a criança. Não apenas abandonar o lúdico e instaurar o disciplinar.  Mas amadurecer a forma em que se vive a ludicidade. A forma como uma criança de 3 a 7 anos brinca é diferente da forma como uma criança de 8 a 12 anos brinca. Mais as escolas no conseguem acompanhar essa mudança. Preferem interpretar essa passagem como uma perversão do caráter da criança. Então instauram diversos dispositivos disciplinadores, de controle, de punição.

Estes dispositivos são o centro do processo daí em diante. A criança e suas demandas e necessidades, desaparece. A administração da instituição é compelida a dar conta de todos os dispositivos de controle possíveis: aumento da carga horária, aumento da carga curricular, maior numero de provas, maior peso das sanções, orçamento para contrato de dispositivos de segurança, gastos em logística e estrutura de segurança, etc, etc.

Escolas deveriam crescer com as crianças, mais não conseguem fazer-lho. Em troca, as crianças devem continuar a crescer sem as escolas. E esse é o nosso desafio. Alem do espaço escolar o mundo espera por seres humanos capazes de transformá-lo, de entende-lo, de dar-lhe novos sentidos.   Seres capazes de olhar de frente para as diversas problemáticas que desafiam esta época e ser criativos. 

Ao crescer, o lúdico deve transformar-se em criatividade e o estético deve alcançar o ético. Se isto acontece, houve crescimento. Se não, não. Cresceram os corpos, mais os espíritos se infantilizaram. Os efeitos são evidentes: se trata de seres que não brincam, debocham; não são criativos, mais destrutivos, não tem senso estético, apenas consomem tudo que as grandes massas imitam, e definitivamente não desenvolveram senso ético, são ególatras disputando tudo para si.  Crescer é preciso. Escolarizar não é preciso.

 



Um comentário:

  1. Nunca tinha parado para refletir sobre a drástica mudança entre os ensinos infantil e fundamental.

    Lendo o texto, me vieram à mente algumas lembranças de professores meus dessas épocas: até os 7 anos, e depois dos 7 anos. Lembro-me de uma professora do jardim de infância que 'corrigia' os exercícios de casa individualmente com cada aluno; sentava do lado da gente e começava a nos ouvir falar sobre a história de cada desenho, de cada frase. Claramente o estudante era o centro da relação ensino-aprendizagem.

    Depois dessa idade, lembro-me até com certo receio de uma professora da terceira série que simplesmente não sorria, que trocava os alunos de lugar porque conversavam muito, que exigia silêncio absoluto na aula, que não explorava a criatividade de ninguém, nem tentava entender bem os alunos. O foco do ensino-aprendizagem tinha mudado completamente.

    Texto excelente. Aliás, este blog é excelente. Muitos textos esclarecidos que clamam por uma mente mais aberta na educação.

    Falo bastante sobre isso também no meu site. Se possível, passe lá para debatermos.

    http://umanovaeducacao.com

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