Educar em casa é um grande desafio. Um belo desafio. Primeiro porque todos os envolvidos passam por um processo poderoso de auto-conhecimento. Segundo porque nesse processo é possível ver elementos que podem implicar mudanças radicais na nossa maneira de sentir, pensar e agir no mundo. De fato nem tudo o que encontramos nessa caminhada é bom, maduro, desejável. Afinal, temos que reconhecer que não somos seres perfeitos. Porém, reconhecer algumas destas questões negativas é muito importante na hora de empreender a trilha da desescolarização.
Um desses elementos que precisamos reconhecer é a existência de características patológicas na configuração psicológica do próprio pai-educador. Pais movidos por medos excessivos frente ao mundo, ou por axiomas ideológicos excessivamente enraizados, pais com urgências de controle exageradas, ou, inclusive pais motivados por uma necessidade desproporcional de proteger seus filhotes, podem apresentar motivos inconscientes que os levam a desenvolver práticas educativas repressoras.
Tirar filhos da escola porque nos dá a sensação de que a casa é mais segura contra determinados perigos (a violência do mundo, a falta de religiosidade, a liberalidade mundana, etc.), pode ser um sintoma de que algo na nossa constituição adulta não está bem resolvido. Isto pode manifestar-se claramente ao idealizar a casa como uma forma de nicho separado do mundo, um ninho de salvação, um lugar para cultivar uma eterna inocência, um espaço para afastar-se do mal. Qualquer uma desta premissas inconscientes torna a casa-escola uma prisão e a criança a viverá como uma experiência de repressão na qual o pai e ou a mãe se colocam como continentes absolutos. Uma geografia afetiva e cognitiva intransponível.
Uma manifestação concreta desse tipo de funcionamento se dá na defesa da educação em casa aliada ao direito da "disciplina física" nos casos de desobediência por parte dos filhos. Em outras palavras, na defesa do castigo corporal e psicológico como instrumento educacional.
Tais atitudes refletem apenas um limite (psicológico e cognitivo) nos pais que as utilizam e dependendo da intensidade, até uma patologia que certamente está ligada à infância desses pais-educadores. Cabe a pergunta: quais são os danos na psicologia do pai educador que utiliza o castigo físico ou psicológico como uma forma de "educar" a criança?
Temos que observar a nos mesmos enquanto pais-educadores. Perguntar-nos: como se manifesta em mim a urgência de corrigir o que entendo como um erro ou um desvio no modo de agir, nas escolhas, nos desejos do filho que estou educando em casa? Que sentimentos afloram nos momentos que entendemos como críticos? Por que um erro me ofende tanto? A irritação que sinto frente a determinados momentos do filho, é freqüente? É excessiva? Quais são minhas reações? Bater? Gritar? O que sou capaz de dizer e fazer nessas ocasiões?
Existem estudos sobre a psicologia do educador nos quais esta problemática é abordada. Neles o excesso diretivo, a rigidez perfeccionista, o excesso de limites, de normas, a necessidade de que os filhos-educandos aceitem integralmente todos os valores, crenças e ideologias dos pais-educadores, e claro, o recurso à violência física e psicológica para alcançar estas metas e ou corrigir os supostos desvios, é denominado de Compulsão a Educar.
As relações que emergem nas famílias nas quais o fenômeno da compulsão a educar aparece como componente das relações entre pais e filhos, não são em nada diferentes das relações que se estabelecem entre estudantes e escola, entre professores tradicionais e estudantes. Nos dois casos as relações são dicotômicas, negativas e verticais. Nos dois casos as crianças ficam no papel de vítimas de um poder que não conseguem superar e com o qual não há diálogo possível. O resultado será no melhor dos casos um comportamento mascarado no qual a criança se adapta respondendo às demandas do adulto de maneira a não provocar sua ira e assim evitar o maior número de castigos. Internamente irá acumulando raiva, negação, os quais espera secretamente poder extravasar.
As práticas da desescolarização por tanto, atingem a pais e estudantes. Os pais terão de aprender a aceitar e partilhar ritmos, percepções e condutas dos seus filhos. Terão que libertar-se de suas dores de infância, e admitir internamente a fluidez e a efervescência das crianças. Estas, terão que alcançar graus elevados de autonomia, terão que aprender a correr atrás do que desejam aprender, estabelecer seus próprios ritmos e viabilizar suas metas de aprendizagem. Terão que aceitar que são eles os que comandam o próprio processo de aprendizagem e não outrem, quem quer que seja.
Sim, vista assim, a desescolarização é um caminho de cura.!
Ler: Infância A Idade Sagrada. Anos sensíveis em que nascem as virtudes e os vícios humanos. Evânia Reichert. 2008.
Ler: Infância A Idade Sagrada. Anos sensíveis em que nascem as virtudes e os vícios humanos. Evânia Reichert. 2008.
Muito interessante, Edilberto e Tatiana, entre outras coisas, por iluminar possíveis aspectos psicológicos, inclusive alguns negativos, da desescolarização, a partir do conceito de Compulsão a Educar. E a recomendação de leitura é de uma autora que conheço pessoalmente, ligada aos processos terapeuticos do Eneagrama, que acontecem aqui em Brasilia.
ResponderExcluirAliás, indo nesta direção, talvez alguns tipos de ego sejam mais propicios do que outros para desenvolver esta compulsao. O que acham.
Parabens!
Interessante. Muitas vezes "educar o filho" de uma forma diferente da instituição escola é a questão mais forte dos pais que querem optar por ensino domiciliar.
ResponderExcluirA questão é: o que acontece se temos um pai-educador compulsivo? É direito do pai essa forma de educação que, pelo jeito, pode ser tão ou mais aterrorizante que a da escola?
Alfredo e Augusto:
ResponderExcluirObrigado pelas suas respostas. Primeiro é importante esclarecer que o fenômeno da compulsão a educar é bastante extenso na sociedade e atinge muitas famílias. Por tanto não se trata apenas de famílias que praticam o ensino domiciliar. Segundo, é também importante esclarecer que o conceito e a prática da desescolarização já se colocam como uma postura crítica ao tipo de processos e práticas que se sofrem quando se apresenta a compulsão a educar. Pais educadores compulsivos combinam tanto com o modelo escolar precisamente porque não foi vivido um processo de desescolarização. Desescolarizar não é simplesmente retirar o filho da escola, mais encarar a educação dele a partir de parametros radicalmente diferentes da escola. A desescolarização se coloca, por exemplo, uma outra forma de viver a questão da disciplinarização do comportamento do estudante. Nas escolas tanto como nos lares onde reina a compulsão a educar, a questão é o controle do corpo, o controle do tempo, o controle do movimento, o controle moral, o controle do pensamento. A desescolarização se propões favorecer a liberdade de escolha, o respeito pelo interesse legitimo da criança, o fortalecimento de ambientes que ampliem a liberdade de aprender.
Por tanto, o que acontece é que muitas famílias vivem práticas tipicamente escolares dentro de casa. Não houve a desescolarização. Esta sempre deve começar pelos pais. Se pai e mãe não estão desescolarizados, se não tem quebrado o paradigma escolar e vivido essa ruptura com o modelo, eles vão terminar vivendo um processo de "super escolarização do lar" que é o que corrsponde à Compulsão a educar.